Fundamentos da fotografia: composição (parte 1)
O trabalho de um fotógrafo não é exclusivamente um ofício técnico. Como uma arte, tem em si uma ampla gama de liberdade, expressão, criatividade, imaginação. Ainda assim, estudando padrões na produção de fotógrafos podemos identificar lições de composição que nos auxiliam a produzir imagens mais poderosas e eficientes.
O significado de composição
A icônica fotografia de Huynh Cong Ut em que retrata uma menina sobrevivente de uma bomba de napalm, lançada por americanos na guerra contra o Vietnã, é apenas uma das várias fotografias tiradas naquela ocasião. Porque, então, esta abaixo foi a escolhida? Porque a segunda imagem, que é um recorte da primeira, tornou-se tão emblemática?
Mesmo que uma cena pareça incrível aos olhos não necessariamente será uma boa imagem fotográfica. Uma imagem pode ter como objeto uma cena potente, dramática, e ainda assim ser uma imagem ruim, monótona, inexpressiva. Assim, o sucesso de uma imagem não está na cena em si, mas em como escolhemos mostrar essa cena. Uma imagem fotográfica é sempre uma cena enquadrada de uma certa forma. E uma mesma cena pode ser enquadrada de várias formas.
Mesmo que você, fotógrafo e modelo permaneçam no mesmo lugar e a câmera seja apontada no mesmo ângulo, ainda assim é possível fotografar em um plano geral ou em um plano detalhe. Mudando a distância angular mas cuidando para manter o enquadramento, podemos ter modificações na perspectiva que aproximam ou distanciam um plano de fundo. No mais, uma modelo pode ser fotografada de infinitos ângulos de cima a baixo ou a circundando. Em todos esses casos está se definindo o que se esconde, o que se mostra e como.
Composição fotográfica é o processo de criar imagens bidimensionais através da organização dos elementos visuais de uma cena, criando relações entre estes elementos que guiam o olhar dos observadores e evocam significados. Claro, toda imagem sempre é passível de provocar múltiplas sensações e interpretações a depender de quem a olha. Contudo, por meio da direção da composição fotográfica é possível privilegiar intenções, guiando o público para uma experiência mais próxima da projetada pelo seu criador.
Neste texto, e em outros que o seguirão, tentarei sensibilizar o olhar dos leitores para alguns fundamentos da composição. Por enquanto, focaremos nos seguintes:
A importância de simplificar
Relação tema/plano de fundo
O risco das intersecções
A importância de simplificar
Quando está fotografando algo, você não pode simplesmente sair apertando o disparador mecanicamente sem pensar sobre o que você busca, o que deseja com aquela fotografia. O processo de composição de uma fotografia decide não só como mostrar algo, decide o que não mostrar. Então você tem que pensar nas seguintes questões:
- O que eu devo mostrar para que meu objetivo com esta foto fique claro?
- O que eu não devo mostrar para evitar o risco de que a imagem fique confusa?
Parecem questões simples, porém nem sempre temos tanta clareza quando fotografamos. Tomem a foto a seguir como exemplo.
Qual o tema desta fotografia? O personagem de camiseta preta? Mas ele nem está exatamente no centro e está tão pequeno no quadro. Será a estátua? Mas se o tema era a estátua porque tanta informação além dela? Ou será que o tema é o prédio amarelo? Mas para quê então todas essas pessoas na frente? E essa criança com o gorro vermelho?
Precisamos, antes de tudo mais, saber qual o tema da foto. Depois seguimos para uma outra fase: excluir tudo aqui que for irrelevante.
Compare essas duas imagens acima. As duas tem como objetivo o reflexo no vidro do carro. Sendo assim, a segunda não precisava mostrar os cachorros atrás do carro. Concordam? Então simplifiquemos!
Compare essas três fotos acima. O objetivo das três é representar os postes (luminárias). Por que a primeira não parece tão boa quanto as duas últimas? Uma das razões é ter mais informações sobrepostas que dão uma sensação de mais poluição: poste + bandeirolas + casarão + céu. Na segunda, é mais agradável por ser mais simples: poste + bandeirolas + céu. Na terceira temos ainda mais simplicidade: sombra + parede.
É nesse sentido que se fala da importância de composições simples. Buscar simplicidade é fundamental já que imagens mais simples são mais fáceis de serem compreendidas. Quem as vê sabe exatamente qual seu tema, sabe para onde deve olhar. Na maioria das vezes o problema de uma composição está em não ter excluído elementos desnecessários. Essa é a lição: aprenda a subtrair tudo aquilo que não interessa.
A simplificação é atingida por vezes apenas aproximando-se do tema da foto e retirando da cena todo um excesso de informações desnecessárias. O fotógrafo pode fazer isso simplesmente escolhendo uma distância focal maior para aproximar o tema e reduzir o ângulo de visão. Quando trabalha com uma objetiva prime em uma câmera ou quando fotografa mesmo com o celular ele pode ser obrigado a aproximar-se daquilo que fotografa. Veja o exemplo abaixo.
Se não quer se aproximar, o tema ficará menor na cena, logo terá que lidar com a complexidade do cenário. Neste caso, se não quer se aproximar é fundamental buscar um cenário mais simples, que não deixe o observador confuso sobre o que ele deve focar.
No mais é importante pensar em um cenário que permita um bom contraste com o tema. Do contrário ele pode se perder na cena. Veja que no exemplo acima o cenário simples facilita a visibilidade e a ênfase no cachorro.
Se você ainda não entendeu o que quis dizer com a necessidade de um bom contraste, veja na imagem abaixo um exemplo ruim em que praticamente não há contraste.
O ponto de vista do fotógrafo pode ser um grande aliado na hora de simplificar uma cena. Por vezes ao contornar o modelo/tema você pode simplificar o plano de fundo, uma parede, enfim, um fundo menos poluído.
Ao fotografar um modelo de baixo para cima (no contra-plongée) você também pode simplificar um plano de fundo, dando preferência para o céu, por exemplo.
Pode-se também simplificar o plano de fundo por meio de uma pequena profundidade de campo.
Na foto abaixo, a pequena profundidade de campo ainda destacou o cachorro do fundo, simplificando a cena e garantindo maior contraste entre tema e plano de fundo.
Em um próximo texto discutiremos mais aprofundadamente o uso das cores. Porém, devemos adiantar que as cores também podem ser utilizadas para simplificar uma cena. Que tal trabalhar com paletas de cores mais simples. Menos cores podem reduzir a sensação de poluição, de informação em excesso.
Você pode escolher o preto e branco para simplificar uma cena porque as cores originais não agregam informações relevantes para a fotografia.
É possível ainda em uma pós-produção, utilizando aplicativos de edição como o Adobe Photoshop, remover todos os detalhes da cena que não interessam. Para simplificar a fotografia abaixo, tentei retirar o máximo de postes de energia.
A forma mais extrema de simplicidade é a busca pelo minimalismo. Trata-se da opção por composições com poucos elementos. Os ganhos são evidentes, quanto menor a quantidade de elementos, mais evidente será para o observador o que ele deve tomar como o tema da foto.
Todavia, não confunda simplicidade com minimalismo. Simplicidade não se trata de economia de elementos em busca de minimalismo, mas sim da redução de elementos desnecessários, ruídos que atrapalhem o objetivo com a fotografia. Uma imagem pode ter vários elementos e ainda assim ser simples se ela mostra exclusivamente aquilo que foi necessário para os objetivos da fotografia. A simplificação obedece ao objetivo da foto, não à uma necessidade obrigatória de poucos elementos. Então, se suas fotos são sobre poluição, excesso e caos, como é o caso do seguinte ensaio de Martin Parr, o minimalismo seria uma opção equivocada.
A verdade é que na maioria das vezes nosso objetivo não é poluição, excesso e caos. Então para não criarmos imagens assim, involuntariamente, é preciso começar a compreender como simplificar e organizar suas composições.
Relação tema/plano de fundo
Veja a imagem abaixo. É uma ótima fotografia deste mercado. Mas vamos imaginar que o tema da fotografia não é o mercado, mas o senhor de avental verde e camisa preta que está ao centro do quadro. Se assim fosse, a relação tema/plano de fundo estaria muito mal construída, já que do modo como foi composta a imagem não dá essa ênfase para este personagem.
O tema é o mercado? Então certifique-se de que ele seja o elemento principal da cena. O tema é uma pessoa específica no mercado? Então garanta a ênfase necessária para este tema. Se a maior ênfase é dada ao cenário, ao plano de fundo, ele torna-se então tema da fotografia.
A imagem abaixo mostra uma melhor composição para o caso de um dos feirantes ser o tema da fotografia. Nesta imagem não há dúvida de que a vendedora é o tema da imagem, o mercado é o cenário (o plano de fundo) em que ela atua.
Uma composição que não define com clareza o que deve ser interpretado como tema e o que está lá apenas como plano de fundo torna-se confusa. Você precisa, então, garantir que algo seja evidentemente o tema e que todo o resto seja evidentemente plano de fundo, contexto.
Compare por exemplo estas duas imagens. Na primeira, qual é o tema da fotografia, o rapaz de azul ou a escultura? O foco, o tamanho, a centralidade, todos são pontos que dão ênfase à escultura nesta imagem. No mais, como existem outras pessoas enquadradas elas também competem pela nossa atenção. Na segunda foto, a composição deixa explícito que a escultura atua como um plano de fundo, o tema claramente é esse cara muito bonito de vermelho. Vejam que nesta segunda imagem a lógica da simplificação atua para deixar mais claro o que é tema e o que é plano de fundo.
As decisões sobre como organizar tema e plano de fundo devem contribuir para que os observadores saibam qual o tema da fotografia. Seu tema deve estar claramente ressaltado. Como dissemos acima quanto menor for o espaço ocupado pelo tema no enquadramento, mais informação do cenário teremos. Se este cenário tiver muitas informações, trará o risco do observador não saber exatamente para onde deve olhar ao se deparar com nossa foto.
Vou repetir para que não haja nenhuma dúvida. É possível que o tema ocupe um espaço menor no enquadramento, porém, para ele ser percebido como o ponto de foco principal, o tema, a cena ao seu redor não pode estar poluída com inúmeras informações que desviem essa atenção. O cenário então pode ser simples ou ter menos ênfase que o tema (existem várias formas de garantir ênfase, estudaremos sobre isso mais aprofundadamente em outro texto).
Não caia no risco, contudo, de cortar sempre todo o cenário (plano de fundo) para garantir a ênfase no tema. A importância do plano de fundo é proporcional à sua capacidade de contextualizar o foco principal, o tema, o assunto da fotografia. O contexto é fundamental para compreendermos a situação em que o tema está. As duas fotos a seguir tem como tema evidente, um triciclo e uma bicicleta. Contudo, o plano de fundo dá à primeira um contexto muito mais claro.
O tema da foto abaixo é este senhor, mas é o plano de fundo que nos permite conhecermos um contexto e concluir que ele é um mercador.
Relação tema/fundo: cuidado com as intersecções
Um dos erros mais risíveis de um fotógrafo é não ficar atento para intersecções entre aspectos da cena em planos diferentes. Sem perceber o poste de luz que está lá ao fundo acaba virando chifres na cabeça do modelo.
Este erro acontece na maioria das vezes pelo forma desatenta como fotografamos. Mesmo profissionais precisam se esforçar a prestar a atenção em toda a cena que estão registrando e não apenas em seu tema. Essa sensibilização toma tempo.
É claro, contudo, que alguns fotógrafos tiram o melhor dessas intersecções. Mas só o fazem, pois tornam isso um ato consciente e deliberado.
Composição — Parte 1
- A importância de simplificar
- Relação tema/plano de fundo
- O risco das intersecçõesComposição — Parte 2
- Centralizar
- Regra dos terços
- Ângulos e planosComposição — Parte 3
- Dicas para cenas com pessoas e paisagens
- Proporções e orientaçõesComposição — Parte 4
- sete elementos da arte: linhas, formas, volume, espaço, textura, tom (luz e sombra) e cores